Carlinhos Colé
Mais triste do que não saber ler, é saber e não querer
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É Relativo, uai
                      Eram os três mosqueteiros. Nascidos na mesma rua de cidade pequena, empoeirada na seca, alagada nas águas. Para os sertanejos daquele pobre lugarejo perdido nos sertões das Gerais o ano dividia-se em duas estações: a seca que compreendia os meses de abril a setembro e o das águas, de outubro a março. Simples assim. Mas eram os três magos, os três tenores, os três pagodeiros do Rio, a tríade do acorde, a trinca de ases, o Trio Parada Dura. Mirradinhos, de pés no chão, eram mesmo uma ínfima trindade.
                      Mas passaram-se três anos...
                      Três triênios...
                      A cidadezinha tornou-se um importante pólo calçadista. Cresceu, tentando desesperadamente alcançar o inchaço populacional. Muitos daquela geração tornaram-se empresários bem sucedidos. Ganharam dinheiro. Outros nem tanto.
                      Então...
                      Trimmmmmmmmm (é claro que o toque do telefone não é mais assim, Só que não dá mais para descrever com segurança o toque de um telefone hoje em dia, tem toque com a melodia de Cowboy Fora da Lei, Fuscão Preto, É o Amor, Fascinação, Hino do Cruzeiro, Hino do Galo, Quinta Sinfonia de Beethoven, Quero Festa, P. Q. P. Pisa no Freio Zé e, acreditem: o meu quando toca me traz Andorinhas da Áustria de Strauss)
                      Trimmmmmmmmm.
                      _ Pronto.
                      _ Ô, Zé. Aqui é o Pulga.
                      (Esquecemos de mencionar que naquela cidade peculiar todos tinham apelidos)
                      _ Oi, Pulga. Como vai? Tenho tido notícias suas, cara. Pelos jornais.
                      _ Eu também tenho te acompanhado, Zé. Gostei da sua entrevista na Risa.
                      _ A foto não ficou boa, fico melhor em preto e banco. Por isso que prefiro posar para os jornais.
                      _ Onde está, Zé?
                      _ No Sul, Pulga.
                      _ Sul de Minas?
                      _ Não, não. Do país mesmo. Negócios, cara. A vida tá difícil demais. Imagina que tive um vôo complicado. Sorte que encontrei uns amigos que conhecem uma parada aqui. Tomei uma sauna no hotel. Dei uma relaxada. Tô agora olhado as luzes de Porto Alegre de uma cobertura, tomando um wiskyzinho e ouvindo Klayton e Cledir. Esses meninos fazem sucesso por aqui. Mas, afinal, por que me ligou?
                      _  Lembra-se do Pacato?
                      _ Claro que lembro. Outro dia estive com ele no velório de um amigo comum. Cumprimentamos-nos com um gesto do sobrolho, ele de lá e eu de cá, assim por cima do finado. Não chegamos a trocar palavras.
                      _ Há dez anos, se isso ocorresse, teriam se abraçado por cima do adormecido. O que aconteceu conosco?
                      _ Sei lá, cara. Acho que a amizade é como um pé de milho: nasce, cresce, dá espiga e morre. Não é natural?
                      _ O que é natural? O pé de milho?
                      _ Não. Tô falando da amizade mesmo.
                      _ Não. Não acho natural deixar uma amizade como a nossa acabar assim. Tanto assim que penso que devíamos nos reunir um dia desses. Sabe como é. Para lembrar os velhos tempos. Eu, você e o Pacato.
                      _ É só marcar, cara. Sei onde ele mora. O pegaremos de surpresa...
                      Marcaram. No dia combinado pegaram uma estrada rural na bonita caminhonete do Zé. Os três tinham seguido rumos muito diferentes. O Zé tornara-se um empresário do calçado, o Pulga, sempre muito esperto, o que justificava seu apelido, advogava com excelentes honorários. O Pacato... Bem. O pacato estava esperando por eles na porteira do curral, enrolando um pito de palha. Tinha um rosto tostado de sol com o qual contrastava a barba alourada, formando um bonito conjunto com a alvura os dentes fortes, sempre expostos num largo sorriso. Acendeu o cigarro de palha, atiçou a brasa com a unha do polegar direito e os convidou para a casinha humilde, nos fundos da casa do patrão.
                      Aquele primeiro contato impressionou negativamente os dois visitantes. Ficaram compadecidos da situação do amigo.
                      O amigo caseiro tinha cinco crianças pequenas, saltitantes e risonhas lembrando um bando de pardais, a quem ele os apresentou como tios.  A mulher, muito solícita e dona de uma beleza enxuta e meio selvagem, serviu-lhes um jantar como há muito não provavam. No rosto alegre do vaqueiro não havia a menor sombra de stress.
                      Quando saíram da casinha pobre, ainda sob o efeito da caninha da roça que lhes foi servida generosamente com galinha caipira, já haviam apagado aquela primeira impressão. Dos três, talvez o amigo fosse o mais realizado.  
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 29/09/2011
Alterado em 29/09/2011
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