Carlinhos Colé
Mais triste do que não saber ler, é saber e não querer
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Textos
Bichas por toda parte
                      Lá em Portugal, dizem, elas são assim chamadas: bichas. Acredito, porém, que num país europeu, elas não sejam tão abundantes, looooongas e leeeeentas quanto por aqui. Já percebeu como aqui tem fila para tudo? Acho o povo brasileiro bacana demais. Somos uma gracinha mesmo. Toleramos coisas absurdas. E nunca reclamamos. Quando reclamamos é uns para os outros, ali mesmo na fila dos infortunados. Dos sem voz e sem vez. Assemelhamo-nos aos bois, mugindo manso e ruminando, pachorrentos ao sol da tarde, conscientes de sua condição de subjugados.
                      Elas fazem parte da nossa vida faz tanto tempo que talvez já não saibamos viver sem elas. Quem sabe se essa afinidade não venha dos nossos antepassados indígenas. Filas indianas. Lembra-se? Durante o dia nós estamos nas filas dos bancos (tem banco que tem fila para agendar o horário de se pegar outra fila), dos Correios, das casas lotéricas, do INSS, dos postos de saúde, do banheiro público, do telefone público e do concurso público. Aliás, não há nada público sem fila, neste sentido, público é relativo a popular, ou seja: tem a ver com povo e onde há povo há fila.
                      À noite, no nosso momento de lazer, para relaxar, gostamos de pegar aquela filinha do cinema, na bilheteria do show, no estádio, no circo, no clube ou em qualquer outro lugar onde haja certa aglomeração. Lá estamos nós na fila. Simpáticos, conformados, sorridentes.
                      Fila para receber, fila para pagar, fila para mijar, fila para comprar pipoca, fila para filar bóia, fila para tomar injeção, fila para ver a avó pela greta. De qualquer forma a fila é importante para nós. Tanto assim que há aqueles que preferem comprar nos estabelecimentos mais acorridos sem verificar as vantagens oferecidas pelos mesmos, só pelo gosto de pegar a fila do caixa, longa e lenta, uma beleza de fila, e ser atendido pela mocinha lânguida e sonolenta. Normalmente os estabelecimentos comerciais, e os diversos outros supracitados, tem os chamados caixas decorativos, só para impressionar, sobre os quais tem sempre uma placa: dirija-se ao caixa ao lado.
                      Todo mundo sabe que existe uma lei que regulamenta o tempo de permanência nas filas dos bancos. Mas quem está preocupado com isso? Já imaginou que coisa mais sem graça chegar ao banco e ser atendido imediatamente? Sem tempo para tricotar, comentar o capítulo da novela, a nova apreensão de drogas (recorde a cada nova edição), os assassinatos da última semana, os acidentes de trânsito, o aumento do custo de vida, as enroladas dos homens do Congresso, os falsificados que entram, os falsificados que saem, a invasão dos produtos chineses. Como iríamos viver sem isso?
                      Por sorte, minha fé me leva à Igreja. À fila da comunhão onde encontro forças para esse dia a dia conturbado. Sei que não importa a fé de cada um, ela é necessária. E sei também que a diversidade de crenças de nossa gente não nos divide ao longo das filas e somos um povo unido apesar das diferenças religiosas.
                      No fundo temos consciência de que caminhamos para o mesmo fim, nesta longa procissão.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 30/09/2011
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