Carlinhos Colé
Mais triste do que não saber ler, é saber e não querer
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Textos
O principal adversário
                      Em 1983, recebi de brinde por ter concluído um curso bíblico, o livro Viva Vencendo, de Maria Amélia Rizzo. Uma obra singela, despretensiosa, que trata numa linguagem simples, dos principais empecilhos ao nosso crescimento pessoal e dá algumas dicas de como vencê-los. Claro. Nos livros existem receitas para tudo, nem todas funcionam como se espera, mas os prejuízos pelas tentativas frustradas costumam ser pequenos, por isso me aventurei em algumas. Concluí por aquela obra, que meu principal adversário, o mais terrível, o que exige uma vigilância sem tréguas, é nada mais nada menos do que, adivinhe... Eu mesmo. Passei a travar lutas terríveis contra mim mesmo, e nem sempre consigo vencer, tenho um lado ardiloso que às vezes consegue enganar a mim mesmo.
                     Conheci um homem que tinha muitos planos para o futuro. Sempre para o futuro. Aquela viagem de férias com a família, a visita ao amigo que se mudara para a cidade vizinha,  o jantar romântico com a esposa, a pescaria com o filho. Havia prometido a ele desde que era criança. Coisas assim pequenas que na sua escala de valores estavam longe do topo da lista. Tinha coisas urgentes a resolver, negócios prementes, compromissos inadiáveis. Algumas coisas podiam esperar, sobretudo o que concernia à família. Eles o amavam. Iam compreender que tudo o que fazia era pensando neles. Não iriam ficar sem a recompensa pelas horas infindáveis em que eram privados de sua presença.
                      Nas reuniões de família chegava sempre atrasado, as circunstâncias o levavam a passar o tempo todo ao celular e acabava tendo que sair um pouco mais cedo. Tinha dado um carro popular à mulher, e ela tinha total liberdade de ir onde quisesse com as crianças. Todos compreendiam, afinal, que ele era um homem ocupado. De mais a mais, ele sempre participava de todo e qualquer evento familiar, se não com sua presença, pelo menos com uma contribuição generosa. Normalmente era ele quem bancava os comes e bebes e todos ficavam felizes e agradecidos. Ele era sempre aquela peça importante. O esteio onde os mais fracos se arrimavam.
                      Os negócios iam de vento em popa. “Quem não faz poeira come poeira.” O velho e aborrecido chavão justificava sua sagacidade para com os clientes e fornecedores, bem como sua indiferença diante do sofrimento dos seus muitos colaboradores. Em compensação estava expandindo suas empresas e tornando-se influente no meio político. Já era quase uma celebridade. E foi nessa sua melhor fase, no auge do sucesso econômico e social, que de repente, numa curva da vida, um infarto fulminante o fez lembrar que sua estada aqui não era eterna, e a morte lhe tragou. Morreu como viveu: em grande estilo, cercado dos melhores médicos, aguardando um transporte aéreo, pois o hospital de sua cidade não tinha ainda um CTI...          
                      Algumas pessoas têm uma capacidade nata de discernir o que é melhor para si e uma força natural para resistir às vontades pessoais, tenho, por exemplo um compadre que conquistou muitas coisas na vida entre elas uma bela calva, que lhe conferiu um ar aristocrático. Recentemente, conseguiu também, depois de uma pescaria de quinze dias no Pantanal, alguns indesejáveis quilos a mais, acompanhados de uma ligeira protuberância abdominal. Ele me disse:
                      _ Compadre, não me incomodo que me chamem de careca, não tenho controle sobre minha queda de cabelos, mas se me chamam de gordo aí eu me irrito. Sobre meu peso eu tenho controle.
                      Isso era assumir as próprias responsabilidades. Dois meses depois encontrei esse compadre treze quilos mais magro. Tinha consultado uma nutricionista e seguido à risca suas determinações.
                      Refletindo sobre esses dois homens vencedores lembrei-me daquele livro que ensina a vencer. Fiquei pensando que vencer, de repente, é triunfar sobre si mesmo. Vencer é o triunfo sobre o dia de hoje com seus desafios e lutas, suas dores e alegrias. A batalha é hoje porque o amanhã não existe ainda e ninguém pode garantir que existirá.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 03/10/2011
Alterado em 04/10/2011
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