Textos
Eu acredito no Papai Noel
Corria deslumbrado pelo meio das pessoas. Havia gente em profusão circulando por toda parte, distribuindo notas de cinqüenta como se não tivessem custado qualquer esforço. O espírito do Natal tem a propriedade de inebriar as pessoas mais sensatas. Algumas esquecem a parcimônia, entram no crediário e recebem o ano novo com a água até o pescoço, levam até o outro Natal para se recuperarem e então repetem o ciclo miserável. Compadre meu chamado Ozanam, sábio de tudo entendido, de quem venho gastando a soleira da porta a conselho de Salomão, disse que envelheceu acreditando no Bom Velhinho, agora espera encontra-lo para dar-lhe um soco na barriga. Efeito talvez dos anos que prateiam nossas cabeças. Contou-me que o simpático e celebrado Papai Noel foi idealizado por São Nicolau, que viveu no século IV da era cristã e foi bispo de Mira, na Lídia, padroeiro das crianças e da antiga Rússia, segundo o compadre, ele teria feito ressuscitar três crianças que um carniceiro havia morto para vender sua carne. Deixei de lado a sapiência do meu compadre e voltei a concentrar-me no pequeno, cujos olhos rebuscavam na multidão uma imagem familiar. Os pezinhos descalços e sujos. O calção azul com o escudo do Cruzeiro. A camisa de malha branca grande demais, certamente descarte de algum outro garoto mais velho, tornava patente sua condição de menino pobre.
Conheço o bichinho. Acho até que será um grande homem. Independente de fatores hereditários, da escola que ele freqüenta, do time de futebol de várzea de que participa até com certo destaque. Independente de um monte de outras coisas que fazem parte de sua rotina diária. Tem uma mãe simplória, não conhece pai neste mundo de muitos machos e poucos homens de verdade. Acredito no seu futuro porque ele encontrou um amigo. Aliás, eu estava seguindo seus passos na feira atulhada de gente porque confiava na sua intuição mais do que na minha. E lá estava nosso amigo.
Esse amigo de quem falo é um cinqüentão muito simpático que vive para o serviço ao próximo. Conheço muitos caras assim, e isso me dá uma certeza de que o mundo tem jeito! Puxa vida! Sabe o que é uma pessoa ter prazer em dar o melhor de si em prol de quem nada pode oferecer em troca? Não precisa acreditar, conheço gente assim. Num mundo onde as pessoas se escondem atrás de um título, uma patente, uma farda, uma conta bancária, uma toga, uma bíblia, uma arma e tantas outras efemeridades, esse meu amigo veste-se de humildade e alegria e se põe à disposição. Tenho muitos mestres. Ele é o que mais me ensina sobre ser feliz.
Quando o garoto o encontrou ele estava numa roda de amigos conversando animadamente. A carantonha negra abriu-se no mais largo sorriso que já vi, exibindo seus dentes alvos sob o hirsuto bigode. Desceu ao nível do pequeno e ergueu-o acima de si. Para ele a criança representava a esperança de um mundo melhor, em que vale a pena investir seu tempo, seu amor e dedicação. Para o garoto ele representava o próprio Papai Noel. Diferente daquele velho gordinho vestido com as cores da Coca-cola, que fica sentado na porta dos estabelecimentos comerciais distribuindo, suarento, seu sorriso fabricado e seu hôhôhô maquinal.
Ali estava um Papai Noel de verdade, sem trenó e sem o saco de presentes, mas com o coração repleto do mais sincero amor pelas pessoas e o mais genuíno gosto pela vida. Sim. Eu acredito no Papai Noel.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 09/12/2011