Textos
Retorno rápido
O boteco é sempre um bom lugar para se colher material para uma crônica. Ali se ouve de tudo, todos os freqüentadores, normalmente são pessoas entendidas de todos os assuntos e no fogo da birita levantam discussões ferrenhas, arrancam-se defuntos antigos e desnuda-se a vida das pessoas mais proeminentes da cidade, expondo-lhes os podres e ressaltando-lhes as virtudes. Como todas as pessoas têm podres e virtudes tais discussões só chegam a termo quando um ou outro circunstante levanta outro nome mudando assim o rumo da prosa.
Era nesse ambiente que Adoniran Barbosa, que o leitor conhece como compositor, mas que conheço como cronista das esquinas e vielas, buscava inspiração para sua obra. Se bem que não se atinha somente ao boteco, refúgio do homem pobre massacrado pela urbanização e sedento de algo que os aliviassem o coração das dores sofridas no extenuante dia de trabalho, vagava também pelas vielas e praças colhendo componentes para suas crônicas. Contam que quando compôs Saudosa Maloca estava sob a comoção de haver assistido o despejo de algumas famílias pobres de um cortiço que seria demolido para a construção de um prédio, porque nada poderia ficar no caminho do progresso de São Paulo.
Mas o fato é que aceitei o convite de dois amigos para ir a um boteco, lembrei-me de Adoniran e da possibilidade de conseguir uma boa história para contar. Claro que o boteco fica aqui na cidade dos empreendedores, onde todo mundo está sempre abrindo um negócio qualquer e a palavra de ordem é retorno rápido. Também aqui nada poderá deter o progresso, tudo o que estiver em seu caminho será demolido. Sacrificaremos nossa, vida e a dos outros. Não veremos nossos filhos crescerem, nossos amigos e familiares estarão sempre em segundo plano, nossos desejos e vontades serão sempre sufocados em detrimento do crescimento e do progresso. Este é o tempo do des-envolvimento. Que Deus nos proteja!
Não demorou e o tema do retorno rápido logo entrou em pauta. Meus dois amigos depois da terceira cerveja ( é a partir daí que os homens ficam ricos e valentes) tornaram-se grandes empresários. Suas micro-empresas, na medida em que o álcool lhes chegava à corrente sangüínea, desenvolviam-se espantosamente e só falavam em retorno rápido. Eu que não sou do ramo fiquei com os ouvidos na discussão e os olhos num bêbado sentado a um canto cochilando, de vez em quando ele acordava, erguia a cabeça com esforço e tentava se inteirar do assunto, queria dar um palpite, mas a língua não obedecia.
Mais cerveja, mais tira gosto de pé de galinha e mais discussão. E de novo a preocupação com o retorno rápido. Comecei a perceber que era justamente a expressão retorno rápido que chamava a atenção do bêbado, toda vez que ela surgia na conversa ele levantava novamente a cabeça e ensaiava uma palavra que teimava em não sair. Foi indo assim até que, num esforço desesperado ele conseguiu pôr-se de pé caminhou cambaleante até a nossa mesa e então conseguiu dar sua contribuição à conversa:
_ Se querem retorno rápido, vão por mim que de retorno eu entendo. Hic. Experimentem pinga com salame. É tiro e queda. Hic.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 21/12/2011