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De volta ao trecho - Cem dias sem laços - Cap. VII
Uma coisa que observou naquele ambiente foi a total ausência de individualidade. Uma vez ali dentro, ou você entra no bloco ou vai logo embora. Não era como num bar onde um desconhecido se senta e fica bebericando sozinho. Bastou alguns minutos ali para que todos soubessem seu nome e o tratassem como a um igual. Achou isso simplesmente fascinante. Sentiu uma vontade irresistível de tomar notas, velho hábito de jornalista, comentou isso e logo lhe arranjaram papel e caneta. Notou que um sujeito baixinho e de pouco falar desenhava o tempo todo a lápis numa folha A4 presa a uma prancheta sem, contudo alhear-se do assunto à sua volta, sua pouca palestra denunciava um carregado sotaque cearense. De repente ele ergueu-se e caminhou até um quadro de cortiça onde estavam espetadas inúmeras caricaturas, nas quais Alberto pode reconhecer alguns dos circunstantes. Quando o cearense espetou no quadro o novo desenho Alberto viu imediatamente sua própria cara com as feições comicamente exageradas, riu gostosamente já embalado pelo álcool.
Às 23h, sentiu um pouco de frustração, assim como a maioria dos presentes. É que o dono, sem qualquer cerimônia, começou a fechar as portas do lugar:
_ Pessoal, amanhã abrirei às seis, quem quiser estar aqui para o café da manhã será muito bem vindo, agora, boa noite a todos!
Notou que ninguém, à exceção dele, se chateou. Começaram a acertar as contas e a saírem, alguns se unindo para procurarem outras paradas. Ele saiu sem rumo, a cabeça rodando. Não sabia exatamente para onde ir. Acendeu um cigarro e saiu caminhando devagar no mesmo rumo por onde havia vindo. A chuva que havia caído no início da tarde refrescara um pouco a noite, mas o céu estava limpo outra vez e algumas estrelas brilhavam tímidas. Tinha pensado em ficar o fim de semana naquela cidade, mas agora pensando com mais calma, o que queria mesmo era continuar a viagem. Não havia caminhado cem metros e foi alcançado por um veículo utilitário que vira estacionado na porta do sebo, o condutor era um homem com quem acabara de ter uma longa conversa sobre política e a quem chamavam de Bigu. Era de aparência jovem, negro, baixo e retacado, estava acompanhado da esposa que era também jovem, loira e um pouco mais alta que ele.
_ Para onde vai, parceiro?
_ Vou pernoitar na rodoviária. Amanhã sigo na direção do Rio Pará.
O homem pareceu surpreso. Pensou por um instante antes de continuar:
_ Posso deixá-lo na rodoviária. Se bem que moro na direção do rio, a nove quilômetros daqui, não faz diferença deixa-lo em qualquer poo desse trecho.
_ Não quero incomodar.
_ Não será incômodo.
_Bom! Sendo assim aceito a carona até algum posto de gasolina.
Entrou no carro pensando da última conversa que tivera com Sabonete. Ele dissera que iria pernoitar num posto de gasolina próximo. Era realmente próximo porque em poucos minutos o carro entrou numa intercessão da BR onde de cada lado havia um posto, exatamente como o amigo descrevera.
_Tem outro posto um pouco mais adiante. Bigu estava dizendo. Se preferir ficar lá.
Pensou rápido:
_ Sim, eu prefiro.
Ia pregar uma peça no Sabonete. Quando ele chegasse ao rio na tarde seguinte ele já estaria lá.
Mais alguns minutos e Alberto já avistou as luzes e a alta bandeira Texaco do posto, ouviu o tec-tec da seta e viu a luzinha verde piscar no painel. O carro minguando a toada como diria Seu Miguel. Parou. Alberto salgou depois de apertar a mão do simpático casal que possivelmente jamais tornaria a ver.
_ Muito agradecido.
_ Foi um prazer, Alberto. Boa sorte!
O carro arrancou, deslizando suave pela noite. Alberto ficou de pé à margem da estrada aspirando o delicioso ar noturno. O posto ficava na outra margem. Havia ainda movimento de caminhões manobrando. Trechos de conversas chegavam-lhe aos ouvidos. Era desses lugares que não dormiam nunca. Ideal para um trecheiro pernoitar. Jogou a mochila no ombro e atravessou a rodovia.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 24/02/2012
Alterado em 28/02/2012