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Crisómalo - Cem dias sem laço - Cap. X
Por volta das dez horas, a julgar pela altura do sol, Alberto estava ainda sentado sob a ponte, absorto na contemplação das águas calmas do Rio Pará e da exuberância do verde de suas margens. A não ser pelo estrondo constante da passagem de veículos sobre a estrutura de concreto não se ouvia mais ruídos próprios da civilização. Era como se estivesse sozinho num mundo fantástico de sons silvestres. Trinados, arrulhos, pios, gorjeios, um constantes bater de asas . No céu muito azul, nuvens esparsas, muito brancas e brincalhonas cismavam de criar desenhos bisonhos, e desfazê-los, e refazê-los. Recostou-se na laje fria apoiando a cabeça nas mãos entrecruzadas e deixou seus pensamentos viajarem pelas alturas siderais...
_ São Carneiros.
_ São garças.
Estavam deitados na areia quente depois do banho de mar e olhavam o céu caçando figuras nas nuvens de algodão.
_ Como você é tolo! È claro que são carneiros.
_ Você é que é uma tola. Pois não vê que estão voando? Ora, garças voam e carneiros não voam, logo são garças e não carneiros.
_Nunca ouviu falar de carneiros alados?
_Não. Nunca ouvi falar.
_ Por isso eu digo que você é um tolo.
_ Ah! É? Eu sou tolo? Então me responda quem foi Crisómalo.
_ Crisómalo? Você inventou essa palavra.
_ É claro que não.
_ Então quem foi Crisómalo?
_ Opa! Essa pergunta é minha.
_ Tá bom, você não é tolo. Agora me diga quem foi Crisólmalo.,
_Como você é curiosa! Credo!
_Vamos me diga.
_ Néfele, para salvar seus filhos, da perseguição de seu marido, o Rei Atamante, pede ajuda a Poseidon que lhe entrega um carneiro alado com o pelo de ouro, o velocino, fruto da união de Netuno e Teófana.
_ Mitologia grega. Eu já devia saber.
_ O carneiro alado chamado Crisómalo, leva em fuga Frixo e Hele para o reino da Cólquida, no fim do mundo, fugindo da Ira de Ino e Atamante.
_ Isso significa que eu venci. São carneiros e não garças.
_ Você trapaceou...
Horas mais tarde, já cansados da brincadeira, rumaram para o chalé que alugaram ao pé da montanha. Ângela tinha a felicidade estampada no rosto e seus olhos não podiam conter a alegria...
Sobressaltou-se. Havia ali uma presença humana.
_ Desculpe. Não quis assustá-lo.
_ Ah! Não foi nada.
Era um homem branco, de setenta anos aproximadamente. Trazia na mão esquerda um caniço com que andara pescando e com a direita arrimava-se numa bengala. Caminhava com dificuldade pela intrincada vegetação rasteira.
_ Você sorria olhando as nuvens. Com certeza sonhava com alguma china maravilhosa.
Alberto apenas sorriu, sentando-se e apoiando os braços cruzados sobre os joelhos. Não se aborrecia absolutamente com a presença do velho, a solidão já começava incomodá-lo.
O estranho aproximou-se. Sentou-se também na laje, tirou o chapéu de palha que protegia sua calva lustrosa e a pele alva do rosto. Estava limpo e barbeado, devia ser um desses aposentados que deixam a cidade e vão curtir seus últimos anos junto á natureza. Devia possuir uma chácara ali nas imediações.
_ Anamaria se aborrece quando venho pescar sozinho. Vê mil perigos onde não tem.
Bebeu um trago de um cantil que trazia a tiracolo, tirou da algibeira um maço de cigarros e acendeu um, tirando uma gostosa baforada.
_ Não te ofereço porque são duas coisas desgraçadas, mas se quiser não se faça de rogado. Anamaria se aborreceu a vida inteira com esses meus dois vícios. Temos quarenta e seis anos de casados, sabe? Mas enfim tolerou. Soube ver também minhas qualidades. É uma santa mulher. Sabe, meu rapaz. Um homem precisa ter do lado uma mulher que lhe mantenha as rédeas curtas. Um homem precisa de freios, meu rapaz.
Alberto lembrou-se da garrafa de cachaça que Sabonete lhe comprara na véspera. Tateou a mochila por fora localizando o volume. Retirou a garrafa e também sorveu um copioso gole.
O velho riu com simpatia e estendeu a mão:
_ Anamaria iria gostar de você. Meu nome é Lauro.
_Alberto.
_Prazer, Alberto. Eu tinha um irmão com esse nome, era mais jovem que eu, mas morreu no ano passado de acidente de carro.
_Sinto muito Seu Lauro
_ Não sinta, filho. Estamos todos na fila. Mas me diga: como é o nome da moça.
_Que moça?
_ Ora não queira me fazer de bobo. A moça com quem você sonhava quando cheguei.
_ Ângela, Seu Lauro. Ela também se aborrece com os meus vícios.
_ Não a perca meu rapaz. Segure-a. Você a ama que eu sei.
E o velho deu mais um trago, e outra baforada.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 05/03/2012
Alterado em 18/10/2013
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