Carlinhos Colé
Mais triste do que não saber ler, é saber e não querer
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Conflito de configurações
"Faz parte do meu respeito pelas pessoas expor-me ao perigo de dizer-lhes a verdade."   (Wilhelm Reich)

       Sou diretor de comunicação de uma entidade filantrópica, dessas pobres que precisam pedir a ajuda das pessoas comuns para se manterem, do tipo que assume obrigações que são de um governo que já sobrecarrega tanto aquelas mesmas pessoas comuns. Sabemos que a primeira obrigação é da família, depois do Governo, na ineficácia deste é que entra a Sociedade, venho acompanhando a vida inteira a inversão destes dois últimos papéis. Bem! Mas não é disso que queremos falar. O que eu queria dizer é que consegui manter um informativo de relações públicas que está no seu oitavo ano e, naturalmente, venho aprendendo muito sobre essa coisa chamada comunicação.
        Descobri que o verdadeiro entendimento entre variadas partes depende muito da proximidade, ou convivência, melhor dizendo.  Por exemplo: sou casado há 25 anos. Minha mulher e eu desenvolvemos uma linguagem própria, de nós dois somente, que nenhum lingüista no mundo será bom o suficiente para meter a sua colher de pau. Temos dois filhos já maiores de idade, que jamais assimilarão o nosso idioma particular, mesmo que eles quisessem. Ainda que nós permitíssemos.
A comunicação é essa coisa louca. Fui parceiro de truco do meu pai e éramos quase invencíveis. Tínhamos uma linguagem secreta, ininteligível aos demais na mesa, que nos permitia saber o naipe em poder do outro. E não era só isso. Ele, lá na pescaria, sabia me dizer  com a linguagem silenciosa dos seus eloqüentes  olhos verdes, que o primeiro bagre da boca da noite já ensaiava um reboliço no seu anzol, do mesmo jeito que me dizia na mesa do truco que era o feliz detentor do zape, sete de copas e espadia. Ou até, lá no recôndito do nosso lar, que mamãe, naquela tarde não estava para conversas.
        Aquela é hoje uma língua morta. Quando me encontrar de novo com o velho não a usaremos mais. Lá onde ele me espera certamente não precisaremos de tais recursos. Há 18 anos que ele “viajou pra Goiás”. Depois que ele se foi eu nunca mais pesquei, nem joguei truco. Não sei mais quando mamãe , que continua forte e lúcida aos 77 anos, está para conversas.
        Existem mais de 6.500 idiomas no mundo. Os lingüistas acreditam que cerca de 6.120 deles possam se extinguir até o ano 2.100. A principal razão é que a maioria deles é falada por pequenas comunidades, como é o caso, no Brasil, dos povos indígenas que falam 170 línguas e dialetos diferentes. Mas eles, os lingüistas, não mencionam que entre tantas formas de comunicação diferentes há uma que jamais se perderá. A linguagem do coração que ama. Regida pelos olhares que silenciosamente se procuram e se interpretam.
        Enquanto reflito sobre todas essas coisas ouço passando pela minha rua um carro de som anunciando a espetacular festa do trabalhador. Eu que falo uma língua um pouco estranha recebo a informação um pouco truncada. Bem! Talvez seja só um conflito de configurações. O certo é que anunciam uma coisa e eu, que sou macaco velho, entendo bem outra.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 01/05/2015
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