Textos
O impertérrito
“A vida é luta renhida,
que aos fracos abate,
e aos fortes,
só faz exaltar.”
Gonçalves dias
Um homem levemente alcoolizado de posse de um violão afinado, na casa de um amigo abastado, de gente alegre rodeado, numa véspera de feriado faz um sucesso danado. Não digo que era bem o meu caso por falta de algum dos quesitos supracitados que certamente me faltava então. O certo que sei é que era uma véspera de domingo, melhor ainda antevéspera de uma virada de ano, daquelas em que o chefe do Executivo Municipal arruinava o caixa, mas não largava mão de soltar alguns daqueles rojões com aquele terrível fedor de enxofre. Dizem que é o mesmo fedor do inferno. Não confirmo porque ando pouco por aquelas paragens.
A chegada do meu amigo me recorda aquela noite porque foi a primeira vez que o vi. Tinha migrado do Norte de Minas, recém casado e com a jovem esposa a tiracolo. Entusiasmou-se com a nossa alegria. Cantou, dançou, bateu palmas e brindou-nos com seu sorriso franco e suas gostosas risadas. Fez também uma promessa:
_ A próxima virada do ano será com nós todos será na casa que vou construir.
Ora! Fazer promessas é muito fácil. Sobretudo depois da oitava garrafa, ou num final de mandato em vias de reeleição. Dê só uma olhada na lambança que virou a nossa administração pública. No conceito dos presentes aquilo não passava de um momento de euforia. No fogo do entusiasmo a gente promete coisas assim mesmo. O fato é que ninguém levou aquela conversa muito a sério. Ninguém além dele, é claro.
No final de novembro do ano seguinte recebi uma ligação, (naquele tempo a gente usava o antiquado termo telefonema). Era daquele amigo com quem pouco me encontrara depois daquela noite festiva. Estava oficializado o próximo réveillon na sua casa nova.
Dia desses, meu compadre Jair comentou comigo um daqueles seus pensamentos epifânicos que acabam fazendo muito sentido: todos os nossos projetos deveriam ser como o projeto do enlace matrimonial de um jovem casal. Nada há que demova os pombinhos da idéia de conquistar aquilo que almejam. Conseqüentemente alcançam. É que estão imbuídos do tal pensamento positivo. Ai! Venho tentando fazer uma lista das dez expressões mais ridículas que já ouvi na vida e “pensamento positivo” só perde para “globo da morte” e “sensação de segurança”.
Não é que passamos mesmo o réveillon na casa do camarada! Conta-me ele que nos dias em que nos conhecemos, já faz uns oito anos, havia acabado de se casar, conforme os moldes civis e cristãos, sem gozar porém da simpatia dos pais da moça. Quando chegou aqui tinha a cara e a coragem, e uma cédula de dez reais no bolso. No mesmo dia de sua chegada hospedou-se em casa de seus coetâneos aparentados e empregou-se imediatamente como operador de uma máquina da qual jamais ouvira sequer o nome: injetora. Disse-me que sua confiança era tanta que tão logo soube que estava empregado, foi ao Bar da Dona Ana e tomou quatro garrafas de cerveja com aqueles dez reais (naquele tempo dava). “É que eu queria começar do zero”. Argumenta.
Vi esse amigo e sua esposa passarem por sérios problemas com a saúdo de seu filho. E vi como as dificuldades longe de enfraquecê-lo o tornaram ainda mais forte, resoluto. Um impertérrito.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 22/05/2015