Gregários
Sou um homem de fé. Não nego isso a quem me questiona, mas não gosto de ficar empurrando minhas crenças goela abaixo daqueles que não compartilham comigo de tal alegria. Até porque detesto quando alguém tenta me empurrar alguma coisa, seja um produto qualquer no comércio, seja uma crença religiosa, seja um ideal político. Nada me impede, contudo, de manifestar por meio de meu modo de agir, de me comportar diante das circunstâncias, as minhas convicções. Penso inclusive, que uma religiosidade ou fé política que me afasta das pessoas ou que me distinga dos meus iguais (leia-se todos os homens e mulheres) não pode ter nascido de algo bom.
Olho para a humanidade com um sentimento de gratidão tão grande! Penso nas muitas pessoas anônimas que trabalham neste momento para que o pão chegue à minha mesa. Que delícia essa palavra: pão! Tão abrangente! Por pão na mesa entendemos os vegetais, os cereais, os ovos, o leite e seus derivados, as carnes... Tudo, tudo o que me alimenta. Aliás, tudo o que me alimenta, me veste, me calça, me protege, me ensina, me entretém, me trata... É devido ao trabalho da grande comunidade humana.
Vejo uma multidão pelas ruas todos os dias. Indivíduos anônimos cada um com suas crenças, seus ideais, seus medos, suas dúvidas, seu jeito único de ser. Tão diferentes e tão iguais entre si! Entre eles estão o médico, o pedreiro, o advogado, o taxista, o sapateiro, o policial, o carteiro, o comerciante, o lixeiro, o músico, o jornalista... Cada qual cuidando dos demais e sendo cuidado por todos. Quem descobre a grandeza de viver em comunidade, uma comunidade agora ampliada pela globalização, passa a olhar as outras pessoas com muito mais respeito. Levanto-me às 5h30 e penso que levantei muito cedo, a caminho do trabalho passo na padaria e percebo que alguém se levantou às 3h para preparar o meu café da manhã. Vou pro meu trabalho sentido que preciso estar a serviço dos outros.
Imagine só que muitas das estradas, pontes, prédios, instituições, obras de arte, clássicos da Literatura... Foram construídos, criados, pintados, escritos, gravados, editados antes que eu nascesse. Isso faz com que minha gratidão se estenda também àqueles que passaram por aqui antes de nós. O conhecimento acumulado em milhares de anos pelas gerações passadas, em todas as ciências, contribui generosamente para que minha geração viva com dignidade. Isso me leva a mais uma reflexão: o que estou fazendo em resposta aos meus irmãos de agora e de todas as eras? Como tenho contribuído com os meus contemporâneos em gratidão pelos serviços que me prestam hoje? O que posso fazer para os que virão depois de mim em agradecimento aos meus ancestrais pelo que me deixaram?
Nascemos completamente dependentes. Não há nada que possamos fazer por nós mesmos em nossos primeiros meses de vida. A independência custa-nos os longos anos da infância. Se nos ocorre a graça da longevidade é certo que voltemos a depender dos nossos semelhantes até para nossas necessidades mais básicas. São lições da vida que muitos são incapazes de entender.
Quando olhamos de perto a atual situação política de nosso país e vemos um povo tão festivo, tão trabalhador, tão capaz de se unir tanto nas alegrias como nas adversidades, dividido ao ponto de se agredir com palavras duras e injustificáveis, cada polo defendendo um lado, muitas vezes movido por uma paixão cega, sentimos uma profunda angústia. Eu pessoalmente visualizo dois quadros tristes: irmãos que se agridem e rebanhos de ovelhas defendendo lobos. Por outro lado, aqueles a quem o povo confiou a sua condução, sua liderança, não tem tempo nem forças para tal incumbência, uma vez que gastam suas energias e o recurso do povo em defender seus cargos que lhes dão status de deuses, alguns, aliás, adorados mesmo como tais.
Contudo, ainda assim, somos uma comunidade.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 24/08/2017