Textos
"Nada de novo no front"
Acabo de ler o segundo capítulo do primeiro romance de Erich Maria Remarque, baseado nas suas duras experiências nas trincheiras alemãs da Primeira Guerra Mundial. O capítulo a que me refiro descreve as últimas horas de vida do jovem Franz Kemmerich, de dezenove anos, hospitalizado com a perna amputada na coxa. Ainda carregava o peito oprimido pela comoção provocada pelas impressões do soldado Paul, o protagonista, que acompanha o amigo até o seu momento final. Aguardo o lotação num tumultuado ponto do centro nesta hora intermediária em que o dia estertora passando o bastão do tempo para a noite, momento em que quase todos só pensam em voltar para casa depois da dura batalha diária.
Olho sem enxergar, todo o movimento. Na minha cabeça misturam-se imagens descritas na literatura com cenas reais da guerra cotidiana em que o Brasil está afundado sem coragem de admitir. Uma faixa de protesto aberta, há tempos, por policiais civis e militares no aeroporto internacional do Rio com os dizeres “Welcome to hel”; vinte e sete mortos por assassinato num único fim de semana na cidade que sediaria os jogos olímpicos e que as autoridades garantiam estar segura para receber os atletas e visitantes do mundo todo; assaltos a vans escolares em Belo Horizonte; aqui, bem ao nosso redor, furtos, assaltos, assassinatos... Contraditoriamente os números que nos chegam pelos meios de comunicação insinuam que os índices de criminalidade estão caindo. A caçoada até teria graça não fosse a seriedade do problema. Bom! Cada qual veja ou ignore os fatos, enxergue o mundo, vislumbre os horizontes como melhor lhe aprouver. Da minha parte, confesso que estou um pouco maduro pra brincar de Polyana, embora admita fosse mais feliz enquanto ainda conseguia fazer o “jogo do contente”.
Compreendo como coisas e fatos assumem relevância diversa conforme a predisposição interior de quem as testemunha. Se tivesse lido “Nada de novo no front” aos dezenove anos, idade daqueles pobres soldadinhos alemães, certamente receberia o texto com emoções muito diversas das que me tomam hoje que tenho um filho nessa faixa etária. Ter um futuro a conquistar é tão diferente de ter um passado a recordar! Há numa situação tanta esperança carregada de ansiedade e noutra um conforto tão necessitado de aceitação!
O ônibus aponta lá distante com o nome do meu bairro no seu painel luminoso indicativo do itinerário. As pessoas começam a se acotovelar tentando prever o local exato em que se abrirá a porta do veículo. Permaneço no meu lugar. Sempre há vaga para todos, tanto faz ser o primeiro ou o último a entrar. Quer o acaso que a porta venha se abrir exatamente diante de mim. Entro, passo pela roleta e vou me sentar num dos últimos assentos, próximo da porta de desembarque de onde fico assistindo a cada um embarcar o seu universo particular, com suas alegrias, tristezas, temores, incertezas, esperanças... Trechos isolados de conversas dão conta de que a vida de cada um tem os mais estranhos propulsores. Conduzo minhas reflexões para as motivações da minha singela existência.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 27/09/2017