Textos
Olha a cara do sujeito
O corpo fala! Tem um monte de livros de especialistas no assunto que dão conta dessa verdade inegável. Claro! Gestos e reações involuntárias denunciam medo, insegurança, timidez, ansiedade, repulsa, desejo e eteceteras. Um mundo velho de sentimentos, enfim. O corpo falar, tudo bem! Mas quando a cara cisma de falar é um desmantelo. Fulano tem cara de safado. Ciclano tem cara de santo. Beltrano tem cara de tarado. Penso que o corpo fala a verdade, mas a cara costuma mentir. Cara disso, daquilo e daquilo outro. Que coisa! Já pensou em como seria simples se ladrão tivesse mesmo cara de ladrão? Imaginou quantos políticos brasileiros não teriam deixado de se apossar de cargos importantes para roubar o povo? E quantas pessoas simples e honestas jamais teriam sofrido discriminação?
Tive, uma vez, a oportunidade de me encontrar numa festa com um vizinho que morava a duas quadras de minha casa. Apesar de cruzarmos frequentemente na rua e até trocarmos tímidos cumprimentos, aquela foi a primeira vez que conversamos de verdade, para valer mesmo. Tivemos tempo e o ambiente era favorável. Trocamos experiências de vida, lembramos fatos históricos e acontecimentos políticos que cada um do seu lado testemunhou. Compartilhamos histórias engraçadas e demos boas risadas. No fim da festa, nós já meio alegres, e bem camaradas, ele confessou-me que antes daquela ocasião não ia com a minha cara. Caramba! O que a minha cara teria dito a ele sem que eu tomasse conhecimento? Disse que pela minha cara julgava-me arrogante, esnobe, presunçoso... Era enorme a sua lista de maus adjetivos para a pessoa que, pela minha cara, julgava que eu fosse.
Depois daquele dia nos tornamos grandes amigos. Reunimo-nos em diversas situações para trocar ideias, ruminar a podridão da política brasileira, resolver problemas comuns ou simplesmente jogar conversa fora. Até o dia em que ele, migrante que era, decidiu regressar à sua terra natal. E desde então transcorreu uma década e nunca mais o vi. Permaneceu daquela experiência a certeza de que a cara fala sim senhor, e fala o que não deve, razão por que me convém guardar para mim somente o que leio na cara de cada pessoa, para não incorrer no erro de externar um mau julgamento. Talvez o problema esteja muito mais nos olhos de quem observa do que na cara de quem é olhado. Afinal, que lado é o de trás da bananeira? Não depende de que lado você a está olhando? Um meu confrade afirma que é onde tiver um monte de merda. Porque quem quer fazer sujeira invariavelmente se esconde atrás de alguma coisa. Até de uma cara bem intencionada.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 18/12/2017