Cavucando o passado
Quinze minutos adiantado. Coisa rara nos fugidios dias de 2017. Dia quente às raias do solstício de verão. Sentei-me no banco de cimento, à sombra da árvore de nome que desconheço, cuja copa generosa se regalava dançando ao ritmo do vento, ao sol da manhã agonizante. O livro que há semanas carregava na mochila, emperrado ainda nas primeiras páginas, permaneceu esquecido no seu compartimento, abstive-me do prazer da leitura permitindo que meus olhos cansados acompanhassem pela calçada o folguedo de uma leva de folhas caídas que se esbaldavam ao sabor de uma lufada rasteira.
Irrompeu-se de repente o estrondear de um veículo de propaganda volante. Passou arrebentando os tímpanos. Consegui assimilar, no meio daquela demasia de decibéis, que uma nova loja seria inaugurada naquela praça. A voz tonitruante do locutor informava o nome da praça - Mário Ernesto da Silva – e soltou um novo apelido: Praça da Domac. Claro! Uma casa comercial de renome é sempre uma boa referência, sobretudo numa cidade sem memória e sem identidade cultural, que honra os cidadãos que a construíram não mais do que com uma simples identificação de espaço público.
A praça que então se apresenta ao meu redor, se verticalizando como é de se esperar dos sítios mais proeminentes e de maior convergência migratória. Já foi conhecida como Praça do Zé do Pedro, Praça do Zé Bentinho e Praça do Brandão que também era Zé. Mas estes não estão mais entre nós, já passaram seus bastões às suas proles. Seus respeitados nomes em poucos anos só serão lembrados por filhos e netos, ou algum coevo como este pobre escriba, cujo desejo de resgatar a memória de sua gente acaba passando por saudosismo improfícuo.
Observei lá onde termina a Rua Pará de Minas, no lugar da construção nova onde estava instalada uma loja de confecções, ficava a casa onde me criei. Era a de número 1.041. No meu tempo de menino era a penúltima. Depois dela, a leste, só a casa grande de fazenda, de assoalho, com alto porão, ampla escadaria de pedras, esteios, portas e janelas em aroeira. Um aperto no coração. Imagens que se perderam para sempre. Lembro-me que a rua morria na porteira da velha fazenda. Partindo dali para o sul uma estrada rural que ia dar nos Amorim, viria se tornar a Rua Jerônimo Silva, subia a serra passando por um campo pedregoso, de má cultura, mas que abrigava moradias esparsas, no lugar que viria se chamar Vila Operária. Velhos moradores como Bila e D. Antônia, Concesso e D. Lourdes que tornaram-se populares por confeccionarem colchões de capim, Dona Rita, idosa muito bondosa que fiava algodão e possuía ainda uma velha roca, era mãe do seu Dião da Valda (Espiridião da Valdemira), Antônio Paulo e D. Carmem, que mantinham propriedade rural produtiva nos Amorim, Remígio e D. Arminda, Zé Camilo e D. Judit. Bem mais para longe voltando novamente ao rumo leste: Aristides e D. Vanilde, Tõe Catoco e D. Luzia, o mestre ferreiro Zé Ambrósio que era exímio bandolinista... Todos com prole numerosa.
A cidade, emancipada recentemente, ainda consolidava sua vocação. Pequenas fábricas de botinas, já algumas de sapatos ou das velhas sandálias franciscanas. Quem não se lembra? Muita gente não se lembra, concluí.
Refleti e fiz um propósito, motivado pelo meu envolvimento recente com o Patrimônio Histórico de nosso município: em 2018 aproveitarei este espaço para resgatar um pouco da memória de nossa gente. Hei de importunar a muitos com perguntas sobre homens e mulheres do passado.
Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 09/03/2018